TV: Orquestra Gulbenkian interpreta Sinfonia nº4 de Tchaikovsky (RTP2 - 00h25)
A Orquestra Gulbenkian interpreta a Sinfonia nº 4 de Tchaikovsky sob a direcção do maestro suíço Lorenzo Viotti.
Na segunda metade do ano de 1877, a composição da Sinfonia nº4 em fá menor, Op.36, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, acompanhou uma fase especialmente difícil da vida do compositor russo, marcada pelo fracasso do seu casamento com Antonina Milyukova. Os desapontamentos e fragilidades da experiência conjugal foram então confidenciados nas cartas que Tchaikovsky dirigiu ao irmão Modest e à sua protectora e dedicatária da Sinfonia nº4, Nadezhda von Meck.
O primeiro andamento da sinfonia, em particular, testemunha o domínio da grande forma sinfónica como veículo para a confrontação dramática de agregados temáticos diferentes entre si, mas complementares. A situação pessoal do compositor aflora, de forma bem nítida, no inexorável "motivo do destino" que teima em persistir ao longo dos andamentos da obra, qual lembrança omnipresente do fatuum beethoveniano, a obstar à plena realização da felicidade humana. Tal elemento temático, apresentado desde o início do andamento pelas trompas e fagotes, com eco nos trompetes e madeiras, actua simultaneamente como expediente de unificação musical e como gérmen criador de muitos dos seus componentes melódicos, como, por exemplo, o primeiro tema da exposição, apresentado pelos violinos e violoncelos, Moderato con anima, sobre um ritmo reminiscente da valsa.
Apesar de reflectirem diferentes predisposições e estados de alma, os dois andamentos seguintes, Andantino in modo di canzona e Scherzo, vêem-se impelidos por uma mesma atitude introspectiva, de que deu conta o compositor numa carta dirigida a Mme. von Meck. Segundo as suas palavras, o protagonista pressente e assimila a nostalgia que o rodeia, procurando depois combater as disposições adversas através da ingestão de vinho. Sobre ambos os andamentos pairam os ecos premonitórios do "tema do destino".
O último andamento constitui um momento de viragem na obra, já que propõe o retorno do discurso a um tom mais sério, o que de resto é sublinhado, desde logo, pela introdução de uma versão aperfeiçoada da secção inicial do Scherzo. Contudo, a ambiguidade torna-se a nota dominante, à medida que a textura evolui para patamares longínquos e contrastantes, fugindo à previsível resolução das tensões e dos conflitos ardilosamente construídos no andamento inicial. Ante as características melodias populares russas empregues no Finale, Tchaikovsky parece ter querido regressar às raízes mais simples da sua Sinfonia nº2, Pequena Rússia, composta cinco anos antes, mas a ascendência do destino implacável acaba por transmitir uma impressão final de resignação, face à impossibilidade de realizar os sonhos e aspirações mais profundos.
Concerto gravado no Auditório da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, em Maio de 2021.