LETRAS LUSAS: "Estrangeira a mim mesma", de Léa Ferreira
Sinopse: O romance trata da história de Sophie Pereira, nascida em França de pais portugueses emigrados nos anos 70, e que é uma jovem em busca de si mesma. Ao longo do romance, acompanhamos o seu dia-a-dia, o seu novo início em que vai ser confrontada com o seu passado e a sua dificuldade em lidar com as suas origens. É com uma pitada de humor que vamos assistindo às suas interrogações e ao desenvolvimento das suas relações. A sua história entrelaça-se com lembranças de familiares que emigraram nos anos 70 e explicita o que vivem os luso-descendentes dessa geração, como também trata da dura realidade dos jovens portugueses que, também hoje, são constrangidos a emigrar por causa da crise económica destes últimos anos.
“Não me apresentei. Chamo-me Sophie da Silva Pereira e tenho uma vida, como dizer, em filigrana. Já um nome estrangeiro e um apelido lusitano anunciam um entrançado de culturas.
Já que começámos a falar das várias personagens, diria que podemos ir adiante com as várias categorias da narrativa para que fique despachado, pois nunca suportei as análises de texto.
Quando. Tenho bem pouco a dizer. Sou filha do mau gosto dos anos 80. Relembro os penteados volumosos, as camisolas grossas e largas, a Mercedes com que fazíamos a viagem de Paris a Portugal no calor dos primeiros dias de agosto. Tínhamos uma modelo 240D, cor de laranja dúbio com, obviamente, os tampões das rodas da mesma cor. O seu interior era em couro e podem, por isso, imaginar como era voltar para dentro do carro depois de uma paragem para comer o farnel em pleno deserto castelhano ao início da tarde. Fui adolescente nos fluorescentes e eletrónicos anos 90. Tive de assistir à proliferação das americanices televisivas que procriaram Dylans e Kellys por todo o lado e os famosos Kevins, particularmente apreciados pelas famílias portuguesas. Adulta, eis-me aqui, neste início de terceiro milénio em que o mundo é um mercado e em que a vida de cada um depende das cotações da bolsa e das intrigas dos economistas, já para não falar das indústrias alimentares e farmacêuticas.
Onde. Algures pelo mundo. Pelo mundo que é do meu conhecimento direto, isto é, a Europa ocidental. Encontro-me no sul da França. Mas fiquem já a saber que este dado é irrelevante. Estou aqui como poderia estar em Tuvalu ou nas ilhas Malvinas ou Quirimbas. Pouco importa. Não estou no meu país, estou longe das minhas origens, da minha cultura. Já nasci afastada, estou fora e com certeza hei de morrer apartada. É esta a verdade. Considero, neste caso, que para onde a sorte me levou não tem importância. Não o desejei, não o escolhi. Apenas o sofri e deixei-me levar. Por isso, onde estou? Não no meu país. Gostaria de poder dizer que onde me encontro é nenhures. Não sei porquê, gosto deste advérbio, é bem português. Mas, infelizmente, estou algures e nesse algures não tenho raízes.
Como, é que não sei explicar. Como é que chegamos a este ponto? Como é que tudo isto vai acabar? A ação é algo difícil de definir. Não há linearidade. Há apenas uma história que se encaixa num presente, um passado que se alterna com a minha vida, um futuro que se encadeia com o que sou.”
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Léa Ferreira nasceu em França de pais portugueses. Cresceu na região parisiense, mas prosseguiu os estudos universitários em Portugal onde se licenciou em Português-Francês. Desde muito jovem escreve contos e romances que foi partilhando com amigos e professores. Perante a oportunidade oferecida pelas plataformas de auto-publicação, decidiu lançar o seu primeiro romance Estrangeira a mim mesma. Desde 2007 ensina Língua Portuguesa na Universidade de Pádua, em Itália.