LUSO DESTAQUE - Marta Gautier (psicóloga e performer)
Teatral e histriónica em palco, reservada e observadora no consultório. Assim é Marta Gautier, uma psicóloga que se diverte a fazer stand-up comedy.
As manhãs são passadas em consultas. Não por estar doente, mas como psicóloga. Com formação na área das competências parentais, recebe pais, ora sozinhos ora acompanhados pelos filhos, buscando soluções para conflitos familiares. À noite, duas vezes por semana, sobe ao palco do Cinema São Jorge (Lisboa) ou do Teatro Confluência (Cascais) para entregar-se, de corpo e alma (e voz!), a um «monólogo cómico», como gosta de chamar à peça Vamos lá então perceber as mulheres... mas só um bocadinho...
A mesma mulher, duas facetas. Marta de Quadros Ferro Gautier, 36 anos, tem, desde pequena, uma especial curiosidade pelo comportamento humano, aguçada cada vez que via espectáculos de humor. «Sentia, há vários anos, que conseguiria fazer stand-up, só que também achava que, por ser psicóloga, não o devia fazer.» Indecisões à parte, frequentou em 2011 um curso de humor. Percebeu que as regras para escrever textos humorísticos não lhe interessavam particularmente. Decidiu contornar o set up (dar o contexto) e a punch line (ponto forte da piada) para actuar à sua maneira. Resultado: desde a estreia, em Novembro de 2011, mais de 20 mil espectadores já viram a peça, concebida na íntegra pela performer, que, durante quase duas horas, dá ares da loura e sensual actriz Kim Basinger.
Habituada a falar em público sobre temas de psicologia ou sobre um dos seus cinco livros - o último dos quais, Gosto de Ti Assim, é o diário de uma mulher ao longo de 30 dias, num registo mais confessional, não tão humorístico como o espectáculo -, esta é a primeira vez que faz uma palestra tão diferente. Agora em digressão pelo País, Vamos lá então perceber as mulheres... convoca o público a exorcizar as situações comezinhas do dia-a-dia, desdramatizando pequenas embirrações. Desde os estereótipos das amigas do liceu, à forma como elas se despem no balneário do ginásio, aos «casais amigos» felizes, às frases interditas aos maridos, ao arrumar a mala para ir de férias até à incoerência e ao total desequilíbrio feminino... «O que estou a dizer não é nenhuma novidade, não tenho grande mérito. Mas como mantenho um olhar atento, verbalizo. Essa é a grande excitação.» Na plateia, tanto encontramos casais - «muitas vezes saem daqui abraçadinhos, encantados um com o outro» - como grupos de amigas, a dizerem «ai, eu faço isto?». Será a falta de coerência que torna as mulheres desequilibradas ou é o desequilíbrio que as torna incoerentes? «São as hormonas. Nós somos as escravas das hormonas», responde a psicóloga-actriz.
É também através do humor que Marta Gautier desbloqueia as situações mais duras, no consultório. «As pessoas, quando se estão a rir, pensam "eu via isto tudo com um olhar depressivo e, afinal, não é assim tão grave". O que era dramático pode deixar de o ser.» Rir é mesmo o melhor remédio.
(retirado do artigo «"As mulheres são escravas das hormonas"» publicado na edição nº 1054 da revista VISÃO)