NOVOS TALENTOS - Gisela João
Ainda na semana passada, Gisela João cantou no clube lisboeta Lux, um sítio improvável para ouvir fado. E isso é apenas uma improbabilidade entre muitas. Ninguém espera que num corpo tão franzino caiba uma voz tão grande. Ninguém espera encontrar a Mouraria numa rapariga que veio de Barcelos. Ninguém espera uma fadista de roupa colorida, laços no cabelo, alegria em espaços habitualmente nostálgicos. E, no entanto, «a Gisela tem qualquer coisa que é completamente genuína e a diferencia de toda a gente. Não é só mais uma fadista. Se continuar a trabalhar bem, pode ter um grande futuro e marcar uma posição no fado.» Quem o diz é Camané, para quem a rapariga de 29 anos constitui a aposta musical de 2013.
Um disco na calha, um concerto no Centro Cultural de Belém, uma digressão fora de Portugal. É assim que este ano se adivinha para Gisela. «Mas ai de mim perder o gozo de ir aos tascos e pôr-me a musicar, ou de cantar no chuveiro, ou quando vou às compras.» É um facto: às vezes lá vai a rapariga pela rua, sacos de supermercado na mão e os versos a caírem-lhe dos lábios, a melodia a subir de tom, «e ai que pareço maluquinha». Às vezes tentam retirar-lhe importância, dizem que canta fado, sim, mas que aquilo não é fado a sério, é à moda do Porto. «Quero lá saber o que dizem. Quero é cantar e continuar a ter gozo a cantar.» Os fados que Gisela mais gosta são os que contam histórias. Narrativas inteiras, de amor às pessoas e às coisas. «Os poemas têm de ser directos. Se há coisa que odeio são palavras que ninguém entende. Aí a pessoa fica presa, não percebe um sentido e não se deixa embalar.»
Foi na terceira classe que começou a cantar. Saía da escola e ala de correr para casa tomar conta dos seis irmãos mais novos. Na rádio ouvia Amália e punha-se a imitar. «Depois entrei na puberdade e virei-me para música electrónica. Só voltei aos fados aos 17 anos quando abriu uma casa em Barcelos.» Sextas e sábados e a boa da Gisela a fazer-se estrela no Minho, dez contos por noite era fortuna nunca antes sonhada. «Aos 21, fiz-me à pista, mudei-me para o Porto. Fui bater à porta de uma casa de fados e fiquei.» De dia trabalhava numa loja, o sonho era amealhar para fazer um curso de design de moda. Foi vocalista de uma banda folk do Porto, os Atlântida. Mas o encontro com o fadista Hélder Moutinho acabaria por trocar-lhe as voltas. «Ele convidou-me para vir para Lisboa e eu cheguei no dia 1 de Agosto de 2010, à emigrante. A partir daí começou tudo a acontecer.» Gisela canta todas as noites no Senhor Vinho, em Alfama. E de vez em quando canta no Teatro São Luiz ou no Teatro do Bairro Alto. Direita no palco, com as roupas que ela própria costura. A voz é a mesmíssima que leva para o supermercado, sempre que sai para ir às compras.
(retirado do artigo "13 apostas para 2013" publicado na edição nº 1075 da revista Notícias Magazine)