A CAMINHO DO FESTIVAL DA CANÇÃO: "Lava" - Dan Riverman
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Concerto de Apresentação: 28 Fevereiro (Lux Frágil, Lisboa)
Fado. Hip hop. Mundos distintos, distantes e díspares ou, pelo contrário, dois corpos culturais que se atraem exactamente porque partilham tanto em comum?
Em Para Uma História do Fado, o reputado musicólogo Rui Vieira Nery fala de uma música nascida nos círculos "boémios e marginais" de Lisboa e, na sua investigação de documentos históricos, cita os diários de um oficial alemão que passou pelo Brasil no primeiro quartel do século XIX e que descreveu o fado como "dança de negros tão imoral e no entanto tão encantadora".
É certo que o hip hop tem uma origem distinta, fruto de uma experiência cultural muito precisa e específica, no Bronx, bairro de Nova Iorque, nos alvores da década de 70. Mas, talvez mais do que qualquer outra expressão musical da idade da pop, o hip hop teve o condão de se disseminar globalmente assumindo, em cada lugar, as marcas concretas de cada realidade que o acolheu. Se a cadência do ritmo, as ferramentas de produção ou o domínio da rima e a sua entrega com flows característicos permitem traçar marcas de universalidade neste género – quer estejamos a falar de hip hop produzido na América, em Portugal, em Angola, na Rússia ou no Japão... –, a verdade é que a língua, o calão, as histórias que se contam, as realidades que reportam e até – e isto é muito importante – os samples que adornam a música reforçam as diferentes identidades locais.
Como o fado, portanto, também o hip hop português – ou tuga... – tem na sua origem marcas de boémia e de marginalidade e uma inequívoca negritude que o liga à geração nascida dos que vieram para Portugal arrastados pelos processos de descolonização após o 25 de Abril.
O hip hop e o fado têm muito mais em comum do que se poderia pensar. E só alguém que amasse tanto as duas culturas poderia facilmente ver o que as une em vez de se focar no que as separa. Alguém como Stereossauro.
Stereossauro é um veterano que carrega nos ombros uma carreira que se estende pela melhor parte de duas décadas: experimentação solitária primeiro, no quarto, com discos e gira-discos, com colagens disparatadas, tudo alimentado a uma curiosidade infinita, daquela que ainda não se saciava com uma pesquisa no Google; depois veio a aliança com o seu inseparável companheiro DJ Ride, cabeça de pensamento similar, com quem criou os Beatbombers e ao lado de quem conquistou dois títulos mundiais na exigente arte do scratch; e, em cima de tudo isso, contabiliza ainda várias mixtapes, produções avulsas, batidas criadas para muitos MCs, exercícios de derrube de barreiras entre o que entendia ser o "seu" hip hop e a música portuguesa que sempre abraçou – os Clã e Mão Morta, o Sérgio Godinho e Zeca Afonso... ou Carlos Paredes e Amália.
Stereossauro deu agora o passo seguinte: BAIRRO DA PONTE. O trabalho com que sucede a "Bombas em Bombos", o seu primeiro álbum em nome próprio, editado em 2014, é, simplesmente, o mais ambicioso da sua carreira e um disco que tem tudo para assumir uma justa condição de registo histórico. É com a voz de Amália que o "Bairro da Ponte" se abre: "eu canto este meu sangue, este meu povo", revela a diva. E está criado o clima para um disco que, ao longo de 19 faixas, reúne um número sem precedente de convidados num projecto destes. Por ordem de entrada em cena: Camané, NBC, Slow J, Papillon, Plutónio, Ana Moura e DJ Ride, Dino d’Santiago, Carlos do Carmo, The Legendary Tigerman e Ricardo Gordo, Gisela João, Capicua, Ace, Rui Reininho, Nerve, Razat e Paulo de Carvalho, Holly e Sr. Preto.
Começou com as rimas do rap, mas a vontade de conhecer e brincar com as palavras levaram-na à literatura. "Um Preto Muito Português" é a sua primeira obra que traz para o romance a voz da juventude negra dos subúrbios de Lisboa. Telma Tvon é a convidada do "Mar de Letras" desta semana.
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