A RTP2 dedica as noites de sexta-feira do mês de Julho à obra de Paulo Rocha, uma das figuras fundamentais na divulgação do Cinema Novo português. Paulo Rocha foi, durante os últimos 50 anos, um autor central da moderna cinematografia portuguesa. A sua obra compõe um olhar de conjunto sobre a "portugalidade", a partir de uma série de encontros e de choques: entre o país urbano e o país rural, ou entre a modernidade cultural e as tradições populares, por vezes em diálogo com formas e expressões culturais exógenas, como sucede nos seus filmes que reflectem a presença portuguesa no Extremo Oriente e também a partir de uma vivência pessoal. Paulo Rocha foi assistente de Jean Renoir em "Le Caporal Epinglé" e um dos colaboradores de Manoel de Oliveira em "Acto da Primavera". Este mês, na rubrica Já Vi Este Filme, exibida antes e a seguir ao filme, temos como convidadas as actrizes Isabel Ruth e Teresa Tavares.
Ano: 2012
Realização: Paulo Rocha
Argumento: Paulo Rocha, Regina Guimarães, João Carlos Viana
Elenco: Isabel Ruth, Luis Miguel Cintra, Chandra Malatitch, Joana Bárcia, Carla Chambel, Raquel Dias, Márcia Breia, João Cardoso, João Pedro Vaz
Sinopse: Último filme de Paulo Rocha, no qual, partindo da memória familiar e da matéria dos seus filmes, revisita as suas origens e as referências maiores da sua vida e obra.
Um pequeno lavrador de S. Vicente vê o seu pai morrer com a peste que dizima o País. Alguns anos mais tarde, de todos os irmãos, Vitalino é o mais aguerrido e toma o lugar de homem da casa. Mas a aldeia onde vive é muito pequena para as suas aspirações e decide rumar ao Brasil deixando as suas irmãs encarregadas dos trabalhos da casa. Em paralelo com a história de Vitalino entramos no mundo cinematográfico de Paulo Rocha, percorrendo os seus filmes e fantasmas ao longo destes anos.
Partindo da memória familiar e da matéria dos seus filmes, Paulo Rocha revisita as suas origens e as referências maiores da sua vida e obra, numa construção fluida e complexa, que é conscientemente testamental embora só indirectamente autobiográfica (ele filma-se através do pai e dos personagens da sua obra). O motor inicial do filme é a evocação da infância e juventude do pai do autor, em particular o sonho obsessivo deste, na altura partilhado por muitos, de emigrar para o Brasil, para onde partiu efectivamente em 1909 (embora a cronologia verdadeira, tal como os factos e os nomes, sejam alterados, ou por vezes deslocados, em função das rimas com os outros filmes).
Mas este tema familiar cruza-se desde o início com o grande mundo da obra de Rocha, num puzzle de raccords temáticos que se dirige para dentro e para trás (a busca do centro, ou da origem) tanto quanto para fora (a constante ampliação de sentido, a identidade de um país). Paulo Rocha fala portanto da sua própria necessidade de partir, e da interrogação de Portugal através da distância - o tempo formativo em Paris, depois a longa estada no Japão -, assim como fala da morte, mas também da doença e de um medo tornados endémicos, corrosivos de um país. Em paralelo, vão surgindo, nos excertos dos seus filmes, grandes referências da sua obra: homens como o escritor radicado no Japão Wenceslau de Moraes (1854-1929), o poeta Camilo Pessanha (1867-1926) ou o pintor Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918) - todos representantes de um fulgor criativo dos inícios do século tanto quanto, justamente, de uma relação problemática com o país de origem.
Por outro lado, "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" é ainda um repositório de um outro diálogo estruturante da obra de Paulo Rocha - neste caso, particularmente associado a Amadeo - em que a inspiração na cultura universal se funde com um trabalho genuíno, dir-se-ia antropológico, sobre a cultura popular portuguesa, em especial centrada na região norte do país (os pescadores do Furadouro, o vale do Douro).
"Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" é o último filme de Paulo Rocha (que faleceu em Dezembro de 2012, com 77 anos).