"Quando os deuses morrem, há algo em nós, mortais, que morre também…" Assim escreveu David Mourão-Ferreira, em 1950, no seu diário íntimo, a propósito da morte de um dos seus grandes mestres, Paul Valéry. Passados mais de 60 anos, muitos dos que conheceram de perto o trabalho e o carácter de David Mourão-Ferreira têm razões para pensar o mesmo.
Poeta, ficcionista, ensaísta, professor, divulgador, tradutor e dramaturgo. Estes são aspectos que caracterizam o percurso de um homem que deixou marca nos locais por onde passou e nas pessoas que conheceu. Quando era criança quis deixar de estudar mas o castigo do pai serviu-lhe de exemplo para o futuro. Aos 18 anos disse que queria ser um romancista mas só aos 59 anos publicou o seu único romance. Foi como poeta que primeiro se revelou e surpreendeu o público.
Ao longo deste documentário, realizado por António Almeida, vamos conhecer em primeira mão excertos de um diário que ele escreveu na juventude e que revelam a lucidez de alguém que amava a literatura mas também o amor, a beleza e as "tentações da carne". Sedutor e seduzido, David Mourão-Ferreira falava abertamente das suas aventuras amorosas.
É conhecido essencialmente como poeta do amor mas o alcance da sua obra vai além disso. David Mourão-Ferreira é também poeta da perturbação existencial e dos Natais; é poeta da claridade e da sombra. Dialoga com as várias épocas, evoca a mitologia e "transforma-a" no presente. Vasco Graça Moura diz que "é um prodígio técnico aquilo que ele consegue fazer".
Foi dos primeiros poetas a escrever de propósito para Amália, contribuindo para a "revolução" que causou a junção de dois universos até então opostos: o intelectual e o do fado. Amante de Lisboa e apaixonado por Itália, era assim David Mourão-Ferreira que, desde cedo, se deixou seduzir pela cultura europeia. Hoje o seu nome é apreciado e divulgado com grande entusiasmo além-fronteiras.
Vasco Graça Moura, João Lobo Antunes, Urbano Tavares Rodrigues, Maria Barroso são alguns dos testemunhos presentes neste documentário de "memórias". Passados anos sobre a morte de David Mourão-Ferreira, este documentário dá a conhecer passagens da sua vida... episódios ora caricatos, ora quase dramáticos... testemunhos de quem o conheceu de muito perto e testemunhos de quem, com a distância necessária, consegue avaliar a dimensão da sua obra... múltiplos retratos de um homem que, acima de tudo, amava a vida. Como ele próprio escreveu... "Que dúvida Que dívida Que dádiva/ Que duvidávida afinal a vida".