Origem: Maia - Ribeira Grande (São Miguel - Açores)
É em São Miguel que se fincam as raízes da mais antiga fábrica de chás da Europa, um negócio que brotou de uma semente vinda do Brasil e foi beber à sabedoria tradicional chinesa.
A produção de laranja de São Miguel, em declínio nos finais do século XIX, foi chão que deu folhas ao chá dos Açores. Para estancar a crise produtiva, a semente da oriental camellia sinensis, entretanto já em voga do outro lado do Atlântico, foi literalmente trazida na bagagem de Jacinto Leite, um micaelense retornado da Corte portuguesa no Brasil. E logo depois «regada» pelo incentivo dado pela Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense que, em 1878, mandou vir de Macau dois técnicos chineses, mestres na arte de plantar o chá. Estava assim preparado o terreno onde, cinco anos mais tarde, Ermelinda Gago da Câmara colheu o primeiro quilo de chá seco da mais antiga fábrica de chá da Europa. Em 1926, coube a Jaime Hintze, casado com a neta da fundadora, investir 500 mil escudos na construção da pequena central hidroeléctrica - ainda em funcionamento - que fez a Gorreana superar a carência energética causada pelo fim da máquina a vapor. Já nas mãos de Hermano Mota, actual proprietário, marido da neta de Jaime Hintze, a Gorreana teve igualmente de enfrentar a concorrência do chá de Moçambique, protegido pelo Estado Novo, a partir da década de cinquenta. Hoje, na véspera de completar 130 anos, aquele que chegou a ser o único local na Europa onde se produzia chá à escala industrial - até ao ressurgimento da vizinha Fábrica de Chá de Porto Formoso, em 1998 - ainda vai beber lições à história que escorre pelas instalações. Como as das resistências das máquinas - exemplo disso são o motor eléctrico, de 1926, e o peneiro de vento, de 1930 - e da «teimosia» dos antepassados, apostados em colocar o chá dos Açores nas bocas do mundo.
Num mar de folhas que ondulam pela encosta, só o azul do Atlântico ao longe e o vermelho do nome da fábrica, derramado sobre a fachada branca do edifício principal, destoam do manto verde que cobre a ilha de São Miguel. Nos 32 hectares da plantação da Gorreana, estendidos sobre a pequena aldeia da Maia, no concelho da Ribeira Grande, verde e preto são ainda as qualidades de chá extraídas da camellia sinensis, a planta de origem chinesa de onde nasce o «verdadeiro» chá. Mas em matéria de infusões, quem reina é o chá preto, separado nas variedades Orange Pekoe, Pekoe e Broken Leaf, enquanto o chá verde se divide entre o corrente e o enrolado. Embora com menor procura, à prova ficam também os chás semifermentados Oolong, Poochong e Soochong.
A produção segue o método tradicional ou não fosse este um chá ortodoxo. No que toca ao chá preto, após as colheita, as folhas são enroladas, oxidadas, secas e depois separadas por tamanhos e pesos. Num rebento, só as três primeiras folhas são aproveitadas: a primeira corresponde ao Orange Pekoe, mais leve e aromático; a segunda torna o Pekoe mais forte e retira-lhe paladar; já o uso da terceira folha é uma «invenção europeia», de onde emerge o Broken Leaf, o mais leve e menos apaladado de todos os chás, feito a partir das folhas mais velhas e rijas, que não enrolam, mas partem.
Uma vez na fábrica, o chá preto demora uma hora a enrolar e mais 12 até que as folhas estejam secas. Seguem-se seis a sete meses de espera para que o aroma e o paladar se apurem: só então fica pronto a ir para o mercado.
Hysson é como se apelida o processo de produção do chá verde. Neste caso, recorre-se ao vapor de água que aquece as folhas, protegendo-as da oxidação. As folhas têm, ainda, de ser trabalhadas rapidamente: enquanto o chá verde corrente passa cinco minutos no enrolador, o enrolado ali fica cerca de um quarto de hora. A demora tem, porém, um preço: esta variedade é menos rica em antioxidantes.
Num processo produtivo que foi evoluindo ao sabor dos anos, as máquinas só dão lugar às mãos quando as sete operárias escolhem o chá a dedo, retirando pequenos resíduos que se intrometem por entre as folhas. Com uma capacidade de produção que ronda as 40 toneladas por ano, as colheitas costumam prolongar-se de Março a Setembro e a mesma planta é colhida de 12 em 12 dias. No entanto, para a Gorreana, Inverno não é sinónimo de hibernação: é nesses meses que os 22 trabalhadores afectos à plantação controlam as ervas daninhas, podam as plantas e fazem a manutenção dos campos.
Uma chávena do chá mais antigo da Europa serve-se (quase) só em português: as folhas utilizadas são exclusivamente de produção própria e os adubos, sacos, embalagens e caixas de cartão vêm todos do continente. Importadas, só as máquinas de apanhar chá, que chegam do Japão.
Três toneladas de chá partem todos os anos da costa Norte da ilha de São Miguel, contornando os circuitos habituais de exportação. Procurando dar resposta às pequenas encomendas individuais que chegam diariamente por telefone, carta, email, a expedição é feita por via postal, semana a semana. O volume de pedidos é de tal ordem, adianta o responsável pela companhia, que as tardes de quarta-feira na estação de Correios da freguesia da Maia são mesmo «dedicadas à Gorreana».
Se, antigamente, o pico de vendas aquecia os meses mais frios, actualmente o Chá Gorreana é saboreado ao longo de todo o ano, muito por culpa das rotas turísticas que passaram a cruzar os Açores. Com uma fábrica que não deixa de ser também um museu, o corrupio é constante: em 2011, a média foi mesmo de 300 visitantes por dia. À venda em casas especializadas em chá por todo o País, a chancela açoriana vai passar a invadir também as prateleiras de duas cadeias de hipermercados. Para as alcançar, a Gorreana investiu mais de 250 mil euros em duas máquinas que produzem duas saquetas de chá por segundo, com vista a atingir a meta das 400 caixas de chá a distribuir mensalmente no continente.
(retirado do artigo "Portugal faz bem - Ilha dos sabores" publicado na edição nº 1021 da revista VISÃO)