![]()
Origem: Birre (Cascais)
Na Polen, em Cascais, o rosto sério de Álvaro Costa pede um tempo. O de acabar a conversa com uns clientes, pai e filho, orientar outros tantos e resolver uma questão com Nuno "Surdo" Cardoso, o shaper residente da Polen. Quando enfim se senta, o dono de uma das mais importantes marcas de pranchas em Portugal abre um sorriso. E conta a sua história. Filho de uma algarvia e de um natural de Vila do Conde, nasceu há 49 anos no interior de Angola, a mais de mil quilómetros do mar, que só conheceu aos 2, numa viagem de barco à metrópole. A relação distante aprofundou-se aos 10 anos, quando a família se mudou para Recife, no Brasil, para uma casa bem em frente à praia. Aí a paixão aconteceu, muito pela cálida temperatura da água e pela mão dos irmãos Melo, vizinhos que o levaram a fazer surf pela primeira vez.
Nunca mais parou e é por ser surfista que trabalha no desporto que, nos anos setenta, era visto como vadiagem: «A praia era lugar de vadios. E, de certa forma, éramos nómadas, porque o surf era uma descoberta: tínhamos de descobrir onde havia ondas, onde havia vento, não havia mapas de surf nem windgurus... Hoje, ninguém olha mais para a Lua para saber se a maré vai virar.» Álvaro, moreno, grisalho, não deixou de olhar. A sua ligação ao surf é cutânea e por isso a criação da Polen, em 1988, com o shaper Fernando Horta, foi natural.
Em 1986, Álvaro saiu do Brasil com destino à Austrália. Parou em Portugal para visitar os irmãos, mas a paixão por uma «princesa» e as boas ondas fizeram-no mudar de rumo e ficar. Pelo menos dez anos, durante os quais criou a sua marca, trabalhou com shapers de outras paragens, surfou, teve um filho e não foi feliz para sempre, o que o levou a partir, em 1996, para os EUA. O primeiro ano passou-o em San Diego, na Califórnia, a fazer surf e a entregar pizzas, das cinco às dez, trabalho que lhe rendia 3500 dólares por mês. «Foi espectacular. Andava entre a Califórnia, México e Costa Rica a surfar que nem um maluco e sem pensar em nada. Fiz grandes amigos e conheci outras maneiras de estar. No ano seguinte, fui para o Havai e aí foi só surf e capoeira, com o dinheiro que juntei na Califórnia.» As saudades do filho Gustavo arrancaram-no à boa vida. Na semana em que decidiu voltar, soube que ia ser pai outra vez. O filho Malaika ficou lá e, graças a ele, todos os anos Álvaro passa uma temporada no arquipélago do surf.
No regresso a Portugal, Álvaro encontrou a Polen a atravessar tempos difíceis. Precisou de uns meses para se readaptar, mas foi incentivado a relançar a marca através da roupa e fê-lo. Não podia era ficar por aí. Como não havia dinheiro, foi na Costa de Caparica, num anexo da casa da avó de Nuno Matta, o escolhido para a parceria, que a Polen recomeçou, com um conceito caro a Álvaro Costa, o de trazer à marca shapers convidados do mundo inteiro: Xanadu, Paulo Mandacaru, Almir Salazar, Peter Daniels ou Ricardo Martins foram alguns deles.
Em 2010, Matta e Costa «divorciaram-se» amigavelmente. Não porque se dessem mal, mas por uma questão geográfica. A Polen mudou-se para Cascais e Costa não conseguiu convencer Matta a deixar a Costa. «Com o "Surdo" [Nuno Cardoso], que também é um grande shaper, de talento enorme, com muito trabalho e uma equipa fabulosa, construímos esta fábrica e conseguimos manter a Polen nas bocas do mundo. Neste momento, temos um círculo fechado de shapers definidos em vários pontos do mundo - Ricardo Martins, no Brasil, Jon Pyzel, no Havai, Timmy Patterson e Bill Jonhson, na Califórnia, e o Nuno "Surdo" aqui. É o chamado Glocal - think global, act local. Globalizar, mas localmente.»
Os resultados estão à vista, nos pés de grandes surfistas como Frederico Morais, João Guedes, Miguel Blanco ou Francisca Pereira dos Santos. «Mas não só. O John John Florence ganhou uma prova do WCT no Rio de Janeiro com uma prancha nossa.», remata Álvaro Costa, antes de nos apresentar à fábrica que, em constante busca da excelência e da inovação, recentemente deu à luz pranchas iluminadas, para surfar à noite.
(retirado da reportagem "Pranchas com alma" publicada na edição nº 1058 da revista NOTÍCIAS MAGAZINE)