De Moscovo a Los Angeles, Alexandre Farto (ou Vhils) esculpe rostos gigantes em paredes, como se fossem graffiti. Aos 25 anos, este português alcançou reconhecimento invulgar na arte.
Aplicado o stencil na parede, agita a lata de tinta com que pinta buracos, reentrâncias e curvas do papel. Num gesto preciso, tira depois as folhas. Et voilá! Marcado na superfície rugosa está agora um rosto, ponto. Com o martelo pneumático, escava por cima da tinta, descasca, cria os baixos-relevos em que se define a volumetria da figura. Com um escopro, repete a batida com que diminui a irregularidade das linhas. No final, a imagem avassaladora do mesmo rosto, em grande escala.
O Seixal, na margem sul do Tejo, onde Alexandre Farto cresceu, impôs-lhe um contacto precoce com a mensagem dos murais que transpiravam política. Galerias a céu aberto, com os últimos slogans da revolução de Abril. Aos 13 anos, já os graffiti se tinham entranhado no quotidiano de Alexandre. Pintar comboios era actividade arriscada e impunha uma rotina pontuada por picos de adrenalina. Ao cair da noite, estudava-se os movimentos dos seguranças. Numa intervenção cronometrada, que não se estendia para lá dos dez minutos, cada elemento do grupo (da crew) fazia a pintura que havia de circular pela cidade. O coroar de uma performance não isenta de amargos de boca, como a detenção pela polícia, que resultou num sermão ouvido na esquadra.
Ao longo dos anos, repetiu-se nos comboios e nas paredes o jogo do pinta-e-foge. «Foi o caminho que me despertou para o lado, não só das artes, mas da participação na cidade. Ter um espaço em que podia dizer "eu estou aqui", confessa Alexandre, que já então assinava Vhils. Um tag sem significado que ainda hoje é a assinatura do artista. «Eram as letras que eu mais gostava de fazer e que fazia mais rápido.»
Em 2005, aos 18 anos, juntou-se a outros graffiti writers com quem pintava há anos e criou o colectivo Visual Street Performance (VSP) para organizar uma exposição que viria a ter cinco edições, até 2009. A exposição acontece no Espaço Interpress, no Bairro Alto, em Lisboa, e é visitada pela galerista Vera Cortês, que convida Alexandre a juntar-se à sua agência.
Começa a esculpir rostos em cartazes publicitários que se acumulam, em camadas, nos outdoors. Em 2007, formou-se em Belas-Artes na prestigiada Central Saint Martins, em Londres, e recebeu o convite de Tristan Manco (designer e crítico de arte urbana) para o projecto Pictures on Walls, que expõe e vende o trabalho de artistas de rua. Pouco depois integrou uma exposição colectiva na StolenSpace Gallery, Under a Red Sky, em 2008, ao lado de nomes da street art como o americano Shepard Fairey.
Ainda em 2008, participa no The Cans Festival, organizado pelo britânico Banksy (o mais conhecido street artist da actualidade). O festival foi num túnel desactivado, na Leake Street, em Londres, e o trabalho de Vhils, dois rostos esculpidos na parede, exposto ao lado do de Banksy, vai parar à capa do jornal The Times. Depois do Cans, o galerista que representa Banksy, Steve Lazarides, convida-o a integrar a sua equipa e a exposição colectiva Outsiders, em Nova Iorque.
No arranque de 2009, faz a sua primeira exposição individual, Even if you win the rat race, you're still a rat, na Vera Cortês Agência de Arte, em Lisboa. A que se segue Scratching the Surface, a primeira exposição individual em Londres. Os rostos que esculpe são figuras anónimas que fotografa nas ruas, que desenha nos transportes públicos.
Começa a evoluir nos materiais, a trabalhar a serigrafia e a instalação, a usar a madeira, o papel ou o metal. E no metal usa para pintar materiais tão inusitados como tinta diluída em ácido, lixívia ou café. Nos últimos anos, avolumaram-se os convites para expor em galerias, museus e festivais, nos quatro cantos do globo, e os seus rostos esculpidos estão hoje em Moscovo, Los Angeles, Bogotá, Buenos Aires, Itália, Noruega, Japão, Miami, Nova Iorque, Berlim, São Paulo ou Xangai. Mas também em Lisboa, Porto, Covilhã, Elvas ou Torres Vedras. Em Agosto de 2011, o The Guardian elegeu a sua peça exposta no Cans Festival uma das dez melhores da actualidade. A editora alemã Gestalten lançou, em Outubro, VHILS, uma monografia que vem juntar-se a outro livro, editado em 2010, pela holandesa Lebowski Publishers.
Paralelo ao trajecto como artista, está o trabalho que Alexandre Farto desenvolveu como ilustrador e na videoarte. Fez vídeos para concertos dos Buraka Som Sistema e colaborou com bandas como Macaco do Chinês e Orelha Negra. Num teledisco feito para os Orelha Negra experimentou uma nova técnica, com explosivos, para revelar o rosto esculpido. O rosto é esculpido em cimento forte, são depois aplicadas cargas explosivase tapadas com estuque, que a seguir rebentam, num processo filmado em câmara lenta. Vhils está também envolvido em projectos de acção social, com o rapper Chullage, como o que desenvolveu com crianças ciganas em Peso da Régua ou com a Associação Khapaz, na Arrentela. Integrou o projecto Crono, que trouxe a Lisboa artistas como os Gêmeos, Blu e Sam3, que intervieram em prédios abandonados.
É em Londres que vive a maior parte do tempo. Tem um estúdio, cedido por um coleccionador de arte urbana. Ao estúdio que está a montar no Seixal regressa quando tem projectos em Portugal. Gosta de sublinhar que, apesar da sua linguagem artística estar hoje distante dos graffiti, continua a grafitar com as suas crews de sempre. E a detestar mostrar a cara.
(retirado do artigo "A rua como tela" publicado na edição nº 1053 - 29 Julho 2012 da revista Notícias Magazine)
Surgiu no século XIX na Lousã, ainda sem o nome pelo qual hoje é conhecido, e era comercializado numa farmácia. Tem por base diversas plantas - eucalipto, canela, alecrim e alfazema.
(retirado do artigo 1000 Motivos do nosso Orgulho publicado na 1000ª edição da revista Notícias Magazine)