ISTO É PORTUGAL! - Equipamento para Cavalaria Equicouro-Correeiros
Origem: Milagres (Leiria)
Foi das mãos de uma família portuguesa de Leiria que saiu o equipamento para a cavalaria de "O Senhor dos Anéis", "Robin Hood" e o recente "Cavalo de Guerra". Há três semanas, os Domingues terminaram o trabalho para um filme sobre Simón Bolívar, que o Presidente Hugo Chávez decidiu fazer.
Há dias em que Victor Domingues quase não faz mais nada a não ser "andar para cima e para baixo" a indicar aos estrangeiros o caminho desde o centro de Leiria até à pequena rua na freguesia de Milagres, onde agora também nos leva. São cerca de 9 km de estradas estreitas entre altos e baixos salpicados por pequenas aldeias. "Está a ver, estes aqui são alemães, e logo de manhãzinha já cá estiveram uns franceses.", diz, mal sai do carro, que estaciona perto do armazém. Os clientes alemães estão de saída. Despedem-se de Victor, fecham a mala do carro já carregada e fazem-se à estrada. O anfitrião fica então disponível para nos abrir as portas do local onde foram feitas, à mão, uma a uma, todas as selas, peitorais, cabeçadas, loros, rédeas, guias, etc., que "vestiram" os cavalos de filmes como "O Príncipe da Pérsia", "O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei", "Alexandre, o Grande", "As Crónicas de Nárnia II", "O Último Samurai" ou "Robin Hood".
Perante o aparente caos composto por máquinas de coser e bancadas com amontoados de peles de vários tamanhos e espessuras, latas de colas, facas, linhas e partes de equipamento pendurados, até custa a crer que Hollywood tenha descoberto o trabalho saído das mãos de Victor, Nelson, Helena, Hermínia, João e David, realizado neste recôndito lugar no centro de Portugal. Mas não só descobriu como gostou. E continua a querer mais. Hoje, a empresa Equicouro-Correeiros, Lda. exporta para mais de 18 países, entre eles Espanha, França, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Canadá, Marrocos, Áustria, Suíça, Suécia, e está presente sob a marca Só.Couro nas maiores produções cinematográficas do mundo.
"Acabámos recentemente os equipamentos para a produção da Disney «Branca de Neve e os Sete Anões», com pessoas reais, e os do filme sobre Simón Bolívar que o Presidente venezuelano Hugo Chávez quis fazer.", revela Victor. Fora do cinema, os principais mercados desta pequena fábrica artesanal são o lazer e o desporto equestre.
Com uma facturação "a rondar um milhão de euros", a mais-valia da marca portuguesa é, por um lado, o facto de todas as peças serem feitas à mão "com muito gosto e cuidado" e, por outro, o grande conhecimento que a família Domingues tem sobre a matéria e que lhe permite criar peças originais.
Tudo começou com Joaquim Domingues, bisavô de Victor, que passou os seus conhecimentos ao filho e este a António Domingues, pai de Victor. "O primeiro contacto que tive com uma grande produção de Hollywood foi com «O Homem da Máscara de Ferro». Mas é com «Os Irmãos Grimm» (2005) que damos o grande salto, já estava eu à frente disto". Victor tem a trabalhar consigo dois irmãos, Helena e Nelson, a mulher, Hermínia, o sobrinho desta, João, e David, o único que não é da família. Horário fixo não há. Todos sabem que, quando surge uma grande encomenda, "se for preciso trabalha-se durante dois ou três meses só com quatro horas de descanso por dia, para ir à cama". Foi o que aconteceu quando tiveram a maior encomenda de sempre, 600 peças para o filme "As Crónicas de Nárnia II", ou quando foram escolhidos para fazer os apetrechos do espectáculo equestre "Excalibur", que encheu o Estádio de França, no ano passado. Curiosamente, a família Domingues não viu todos os filmes em que participou e, dos que viu, "As Crónicas de Nárnia II" é o que merece mais referências por causa do peitoral desenhado e bordado por Hermínia, que surge em grande plano numa cena.
Há uma coisa à qual a Equicouro se mantém fiel. À pele que utiliza para confeccionar a vestimenta dos cavalos. Sendo a pele de boi a mais utilizada, faz questão de comprar a portuguesa. Todas as partes metálicas que usam são também fabricadas em Portugal. Para se ter uma pequena ideia da dedicação necessária ao ofício, podemos dizer que, só numa sela, utilizam-se quatro tipos de peles, de espessuras diferentes e que, se for feita em linha pelos seis elementos da empresa, "demora seis horas até estar completa", enquanto se for uma só pessoa "leva 48 horas". São autênticas obras de arte que podem ser, inclusive, bordadas a ouro, como a mais cara que vendeu até hoje, ao Rei de Marrocos, e que lhe custou seis mil euros. "Mas também fiz para o príncipe e para um sultão do Kuwait", revela Victor. O canal é sempre o mesmo, o cinema, ou os particulares para quem já fez peças.
Confessa, porém, que, embora esteja habituado a ser solicitado pela indústria do cinema, ficou algo surpreendido quando a Casa Real Espanhola o colocou em contacto com "as gentes do Presidente Hugo Chávez, por causa do filme do Simón Bolívar".
Da próxima vez que for ao cinema ver uma produção de Hollywood cujo enredo inclui cavalos, esteja atento às vestes destes, pois podem muito bem ter sido feitas por esta simpática e trabalhadora família de Leiria.
(retirado do artigo "Selas para Hollywood" publicado na REVISTA do Jornal Expresso de 10/03/2012)